sábado, janeiro 27, 2007

O Copom afronta as urnas José Dirceu

Entendo que a decisão dos técnicos do Comitê de Política Monetária, pagos pela sociedade brasileira, de reduzir em apenas 0,25 ponto percentual a taxa básica de juros, coloca mais do que uma inquietação financeira na agenda do país. É preciso olhar o problema de frente, enquanto é tempo. O que está em jogo é a legitimidade das decisões do Estado brasileiro. Um punhado de técnicos, repito, mantidos com recursos da população, tem o direito de afrontar a vontade nacional majoritariamente expressa nas urnas em 2006? Tem o direito de insistir no programa ortodoxo derrotado pelo voto popular, que optou pela retomada do crescimento? Com a palavra sociedade brasileira e suas lideranças. Os técnicos do Copom talvez não tenham sido informados, mas o Brasil ganhou uma nova carteira de identidade com o anúncio do Programa de Aceleração de Crescimento, o PAC. Mudaram as metas. Mudaram as prioridades. Mudaram os instrumentos. Mudou a alma do governo. Mas, principalmente, mudou a percepção histórica do momento vivido pelo capitalismo mundial. Portanto, dos requisitos para a retomada do nosso desenvolvimento. Para além dos números, este é o dado novo, o elemento crucial anunciado pelo presidente Lula ao lançar seu programa de governo para o segundo mandato. O planejamento público e o investimento do Estado em infra-estrutura estão de volta, após 25 anos de hibernação. Não por acaso, o país viveu nesse período o pior ciclo de crescimento do pós-guerra. Ao longo de duas décadas, a economia patinou. Espremida num vale de esgotamento estrutural e acossada por solavancos externos tornou-se refém de uma operosa força-tarefa de demolidores do projeto nacional de desenvolvimento – exaurido, de fato, pelas novas condições dos mercados globalizados. A alternativa vocalizada pelo conservadorismo midiático e político, porém, recrudesceu o torniquete da travessia em vez de ampliar seu horizonte histórico. Uma leitura neoliberal tosca e provinciana da transição capitalista, e, portanto, do que deveria ser um projeto de sociedade no século 21, reduziu a arquitetura do futuro brasileiro à panacéia fiscalista do Estado mínimo – marca de fantasia de uma equação composta de juros siderais, desregulação irrefletida e privatizações desordenadas. Parecia fácil. Bastava transferir as prerrogativas democráticas da sociedade para os mercados, em especial para a lógica dos rentistas. Mergulhar o país no mainstream dos circuitos financeiros internacionais, e o paraíso estaria logo ali na esquina. Tão simples quanto falso. Vocalizada pela mídia obsequiosa e por “consultores” com visão histórica de cabeça-de-alfinete, o que se fez foi uma implacável investida para desmontar a máquina pública, sucateando o patrimônio material e intelectual de 50 anos de desenvolvimentismo, mas sem colocar nada em troca – exceto engatar a Nação aos impulsos irrefreáveis das finanças. Nesse vale-tudo, o próprio investimento privado se retraiu. Neoliberais são avessos aos compromissos democráticos que envolvem povo, urna, voto, negociação e planejamento. Seu ideal é substituir os pactos de desenvolvimento, arduamente negociados, por meras instâncias “técnicas”. Como as agências reguladoras, por exemplo, necessárias, mas insuficientes. Ou os comitês bonapartistas, a exemplo do Copom, que se arvoram a prerrogativa de decidir os destinos da sociedade acima da vontade do povo. O resultado dessa deformação política custou caro ao país. Um Estado débil, e engessado, e um capital privado desconfiado, e por isso mesmo arisco, fizeram cair para 20% do PIB a formação bruta de capital fixo durante o reinado ortodoxo. Os desdobramentos sociais dessa grande obra do provincianismo neoliberal dispensam apresentações. Basta conferir os indicadores de violência nas páginas dos jornais. O PAC veio sacudir esse limbo histórico. Essa é a grande novidade que amarra seus 360 projetos e os R$ 500 bilhões em investimentos previstos para os próximos quatro anos. Renasce o planejamento público num país que deixara de se pensar articuladamente, fragmentado por instâncias “autônomas” que respondem apenas à entropia mercadista. O legado mais deletério dos sábios do Estado mínimo não foi a escassez de recursos, mas de projetos estratégicos, agora recolocados no centro da agenda federal pelo PAC. É esse autismo social e político que reverbera de novo na decisão tomada ontem pelo Copom. É evidente a rota de colisão de uma minoria que pretende impor sua lógica à vontade do país. O mercado e o capital privado são essenciais ao desenvolvimento. Mas um país não pode prescindir de rumo. Rumo, quem tem a prerrogativa de definir é o Estado, desde que pautado pelo escrutínio democrático da população. O PAC materializa a vontade majoritária das urnas em 2006. É uma política econômica de desenvolvimento para o século 21. Não uma volta ao estatismo tecnocrático, mas tampouco uma reiteração da lógica binária do fiscalismo ou morte. A prioridade agora não é pagar os juros, mas baixar os juros. E aplicar recursos do superávit primário em investimentos produtivos – sem prejuízo de um declínio na relação dívida/PIB. O Copom não pode mais ignorar a nova agenda da sociedade brasileira. O PAC é a ferramenta desse novo recorte político e econômico decidido nas urnas. Pode e deve ser aperfeiçoado pelo Congresso e pelas lideranças sociais. Mas não pode ser ignorado. Em 2006, a sociedade brasileira decidiu que era hora de voltar a escrever a sua própria história. Pode-se melhorar o texto. Pode-se adicionar elementos. Mas não se pode mudar o enredo, nem os protagonistas principais.
Este artigo está sendo enviado ao grupo de debate ABCD MAIOR

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