quarta-feira, fevereiro 06, 2008

A nova crise do capitalismo




O governo deve inspirar-se em Roosevelt: o Estado deve agir, criar empregos e ampliar o mercado interno. E manter o Brasil longe de sucumbir à crise mundial, como torce a oposição


Por Mauro Santayana


O mundo se encontra em suspenso, com a crise iniciada com a queda da Bolsa de Nova York. As medidas tomadas pelo governo norte-americano, a fim de conter o desabamento do mercado financeiro, se mostram débeis, frente ao temor de uma recessão globalizada como a dos anos 30, vencida corajosamente por Roosevelt, com o New Deal. O jornalista William Greider, em denso ensaio sobre o FED (o Banco Central de lá), mostra como o controle monetário é instrumento de domínio do capitalismo. “Acima de tudo”, diz, “a moeda é uma questão de fé.” É a mais bem elaborada das convenções humanas.

Em um pedaço de papel se inscreve determinado valor, e se acredita que ali haja o equivalente a determinados bens. O papel, em si mesmo, não vale nada. Da mesma forma, a moeda não se reproduz. Como disse Aristóteles, se colocarmos duas dracmas (unidade monetária de seu tempo) juntas durante um ano, elas não são capazes de produzir um só óbolo (ou centavo). A única coisa de valor no mundo é o trabalho, que produz bens tangíveis. O valor da moeda é atribuído em contrato consensual, no qual se finge acreditar.

Quando a moeda era metalizada – ouro, prata ou cobre –, tinha referência sólida. Valia o peso. Hoje, quase nem circula. Usamos cartões de crédito, cheques, transferências eletrônicas. A moeda é convenção na qual devemos acreditar, mas perde o valor se seu emitente (o emitente do cheque ou da nota promissória, ou o Estado emitente do papel-moeda e outros títulos) perde a credibilidade.

Em 1944, com a guerra chegando ao fim e a depressão já vencida pela intervenção do Estado na economia norte-americana a partir de 1933, os países aliados se reuniram em Bretton Woods, pequena cidade de New Hampshire, a fim de estabelecer a ordem monetária que deveria vigorar depois da derrota, já prevista, dos países do Eixo. Partia-se da idéia de que a falta de uma instituição internacional que pudesse evitar crises periódicas do capitalismo sempre fora uma das causas dos conflitos bélicos. Sob influência de John Maynard Keynes, que apoiara, com sua teoria do pleno emprego, o New Deal, criaram o Banco Mundial e o FMI.

Embora o peso maior da guerra tivesse sido o da União Soviética, que perdera 20 milhões de pessoas no conflito, a liderança dos aliados se encontrava com os Estados Unidos. Essa liderança foi tão arrogante naquele momento – oito meses antes da chegada dos russos a Berlim –, que Stalin decidiu não assinar o acordo. Decidiu-se que o dólar seria a moeda de reserva e de referência mundial, garantida pelo ouro do Tesouro norte-americano, na base de US$ 35 por onça troy (mais ou menos um dólar por grama de ouro). Estabeleceu-se que os EUA pagariam em metal a qualquer país portador de reservas em dólar, quando isso lhes fosse exigido.

Em 1971, Richard Nixon – diante do aumento do preço do petróleo e da exigência francesa em receber em ouro suas reservas na moeda norte-americana – rompeu unilateralmente os convênios de Bretton Woods, declarando que não mais satisfaria em metal os dólares circulantes no mundo. Washington declarou solenemente o maior calote da história. O dólar passou a valer quanto os EUA quisessem, e ninguém sabe quanto desse papel podre se encontra em circulação. É nesse momento que os EUA iniciam a sua lenta mas inexorável decadência.

Com US$ 9 trilhões de dívida em títulos do Tesouro, US$ 1 trilhão em títulos em poder da China e despesas de quase US$ 300 milhões ao dia com as guerras do Iraque e do Afeganistão, era natural que se previsse uma crise. Como a queda americana significará a erosão de todo o sistema, Europa e China, credores dos americanos interessados em preservar seus ativos, ajudarão. Mas de crise em crise o sistema inteiro acabará ruindo. Mais para o bem do que para o mal.

No Brasil, a oposição tudo faz para imobilizar o governo e torce para que a crise nos atinja. Pouco lhe importa se o Brasil sucumbir. O governo deverá inspirar-se na ação de Roosevelt. Para salvar o capitalismo, é necessária a intervenção do Estado na criação de empregos e ampliação do mercado interno.

Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros desde 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 80. É colunista do Jornal do Brasil e de diversas publicações.



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