terça-feira, abril 22, 2008

A Colômbia também é aqui


Márcia Denser*

Muito se escreveu e falou recentemente sobre a Colômbia, mas dia desses, folheando um livro de Noam Chomsky, sem querer encontro um verdadeiro dossiê sobre a situação econômica, política e social naquele país, do ponto de vista do ativista e crítico norte-americano ao abordar as conexões entre ajuda militar ianque e violação dos direitos humanos de 1990 a 2004.

Como o encontrei casualmente, o texto ganha utilidade e pertinência, se impõe por sua imparcialidade e, precisamente por isso, esclarece aspectos que os jornalões omitiram ou ocultaram ou ambos no affair envolvendo Colômbia, Equador & Farcs. Foi extraído de Poder e Terrorismo, entrevistas e conferências pós-11 de setembro. pp. 86-92. Rio, Record, 2005:

“Em 1999, a Colômbia substituiu a Turquia como principal beneficiária das armas dos Estados Unidos. A razão foi que as atrocidades turcas haviam logrado reprimir suficientemente a população (claro, a guerra é sempre contra os civis do próprio país, isto é, entre EUA, elites nativas e o resto da população, como já escrevi em outra coluna, grifo meu). As atrocidades colombianas ainda não o tinham conseguido. E são significativas.

Na década de 1990, a Colômbia teve o pior histórico de direitos humanos do hemisfério e, em conformidade com as correlações padrão (quer dizer, quanto mais ajuda militar, maior é a violação dos direitos humanos), recebeu mais ajuda norte-americana, inclusive ajuda militar, do que a soma de todo o resto do hemisfério.

As atrocidades são pavorosas, entre elas o massacre das motosserras. O exército colombiano entrou numa região, cortou as pessoas com motosserras e jogou-as em poços. Mas até que houve punição: o oficial responsável foi afastado do comando. A Colômbia detém o recorde mundial de assassinatos de jornalistas e sindicalistas. Estive lá há dois anos numa missão da Anistia Internacional, a Colômbia foi escolhida em primeiro lugar para a nossa visita pois tem o pior histórico de assassinato de defensores e advogados dos direitos humanos.

Já foram deslocadas mais de dois milhões de pessoas no país, à razão de dez mil por mês, empurradas para favelas miseráveis, sem assistência médica, sem educação, sem nada. Tais atrocidades estão sendo investigadas, não há dúvidas sobre elas. Cerca de 80% são atribuídas aos militares e paramilitares. Se vocês examinarem os últimos dez anos, verão que, desses 80%, a porcentagem atribuída aos militares declinou e a atribuída aos paramilitares vem aumentando, e há uma boa razão para isso: relações públicas.

Como todo mundo, o exército colombiano considera que a melhor maneira de praticar o terrorismo é privatizá-lo. Entregá-lo a paramilitares, como fizeram os indonésios no Timor Leste ou os sérvios na Bósnia. Com isso, eles estão limpos, a menos que se examinem as análises dos acadêmicos ou os relatórios da Human Rights Watch, que se referem aos paramilitares simplesmente como a sexta divisão do exército colombiano, além das cinco oficiais, divisão à qual compete a responsabilidade pelas atrocidades horrendas, no esforço de manter o “desmentido plausível”.

A Colômbia provavelmente detém o recorde mundial de privatizações, ou seja, de entrega de seus recursos a investidores estrangeiros. Parte da privatização é a privatização do terrorismo. E os Estados Unidos também vêm privatizando sua contribuição para o terrorismo internacional, de modo que hoje existem muitos assessores americanos na Colômbia (duas vezes mais do que o número de militares norte-americanos), tecnicamente trabalhando em empresas privadas como a DynCorp e a MPRI (Military Professional Resources Inc.) – a prática do “desmentido plausível”. É que assim a assessoria e as armas ficam livres da supervisão do Congresso norte-americano.

Estive em Cauca e passei horas ouvindo depoimentos de camponeses falando sobre terrorismo. O pior para eles são as fumigações – destroem suas lavouras, seus animais, inclusive suas crianças; podemos vê-las com feridas pelo corpo todo. São em sua maioria cafeicultores pobres. Mas, apesar das dificuldades, eles haviam conseguido um nicho nos mercados internacionais de café organicamente produzido, de alta qualidade, vendido na Alemanha, por exemplo. Infelizmente isso acabou. Pois uma vez destruídos os cafezais, fumigada a terra, esta fica envenenada para sempre.

Não só as vidas e as lavouras são destruídas como também a biodiversidade, a tradição da agricultura camponesa, que é riquíssima, razão pela qual conseguiam safras tão grandes. Mas quando isso acaba, é impossível voltar atrás.

A fumigação é oficialmente justificada como “guerra às drogas”. É difícil levar isso a sério, a não ser como um disfarce para um programa de contra-insurgência e mais uma etapa da longa história de expulsar os camponeses da terra, em benefícios das elites ricas e da extração de recursos minerais por investidores estrangeiros (ver Doug Stokes, “Better Lead than Bread? A Critical Analysis of the U.S.’s Plan Colômbia”, Civil Wars 4.2,2001, pp. 59-78).

A conseqüência é que se algum dia essa região voltar à agricultura será uma monocultura de agroexportação, com sementes produzidas em laboratório, compradas da Monsanto. Mas o principal é que, uma vez expulsa a população pela guerra química norte-americana e pela destruição da lavoura, pode-se abrir a região para a mineração de superfície – há campos riquíssimos em carvão por lá – e também para as represas, a energia hidroelétrica, as empresas internacionais e assim por diante.

Por aí a coisa tem sido um “sucesso”, quanto à população e às culturas e comunidades locais, deixemos isso para lá. Elas são, para citar um filósofo famoso, “meras Coisas cuja vida não tem nenhum valor”. Estou citando Hegel, na verdade, referindo-se aos africanos. Eles são meras coisas cuja vida não tem valor, de modo que podemos levar isso adiante com perfeita serenidade e completa impunidade e receber apenas elogios por nossas realizações”.

Como o leitor pode observar, no texto Chomsky, com fina ironia, usa o plural majestático “nós” referindo-se à grande maioria do povo norte-americano – conformado, paranoizado, alienado, “pacificado” pela grande mídia – e, naturalmente, às elites locais – subservientes, neocolonizadas, apátridas, duas vezes criminosas.

Pois é, não só o Haiti, a Colômbia também é aqui.

PUBLICADO EM:20/04/2008* A escritora paulistana Márcia Denser publicou, entre outros, Tango Fantasma (1977), O Animal dos Motéis (1981), Exercícios para o pecado (1984), Diana caçadora (1986), Toda Prosa (2002) e Caim (2006). Participou de várias antologias importantes no Brasil e no exterior. Organizou três delas - uma das quais, Contos eróticos femininos, editada na Alemanha. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, é pesquisadora de literatura brasileira contemporânea, jornalista e publicitária.

http://congressoemfoco.ig.com.br/DetArticulistas.aspx?colunista=11&articulista=454

>>>

Segunda-feira, 7 de Janeiro de 2008

O governo colombiano dá luz verde a fumigações em reservas indígenas

Ibagué, Colômbia.- Em Setembro passado, o governo do presidente Álvaro Uribe Vélez negou-se a votar a declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas. Argumentou que não podia assinar porque supostamente algumas disposições da declaração contradiziam a ordem jurídica colombiana e os poderes do Estado. Como costuma acontecer nestes casos, nenhuma entidade governamental, nem sequer a Direcção de Etnias do Ministério do Interior, conseguiu explicar claramente as estranhas ambiguidades desta decisão.

leia e veja mais aqui:



>>>

Novos estudos expõem danos do glifosato

Por Stephen Leahy

Estudos científicos somam provas do impacto na saúde humana e animal do herbicida Roundup, usado para eliminar plantações de coca na Colômbia.

TORONTO, 11 de junho (Tierramérica).- A fumigação aérea, financiada pelos Estados Unidos, de plantações colombianas de coca perto da fronteira com o Equador, afetou severamente o DNA da população local, revelaram cientistas da Pontifícia Universidade Católica do Equador, em Quito. Mostras de sangue de 24 equatorianos, que vivem a uma distância de até três quilômetros da fronteira setentrional, apresentaram aberrações de cromossomos entre 600% e 800% superiores aos das pessoas que vivem a 80 quilômetros, afirma o estudo.


,,,