terça-feira, dezembro 22, 2009

Da série "CADÊ O JORNALISMO"? Onde, diabos, lê-se informação sobre isso?!

Segue a judaicização da Palestina: Nazaré Alta*

10/9/1009, Ilan Pappe, London Review of Books, vol. 31, n. 17, p. 14
http://www.lrb.co.uk/v31/n17/ilan-pappe/in-upper-nazareth  

Ilan Pappe é professor titular de História, na University of Exeter. É autor de
The Ethnic Cleansing of Palestine [A limpeza étnica da Palestina].

Oficialmente, nenhum palestino vive na cidade 'judia' de Nazaré. A elegante página da cidade na WWW só existe para quem leia hebraico e russo. Quando estive lá, recentemente, telefonei a uma das autoridades para informar-me sobre dados populacionais, mas ninguém me deu resposta clara. "Estou diante de uma casa na qual se lê, escrito sobre o portão, em árabe corânico "Só há um poder e esse poder é Deus" – disse eu. – "E sei que há dois palestinos no Conselho Municipal". "Ainda não temos informação populacional que permita responder sua pergunta", foi a única informação que consegui.

De fato, segundo a Associação Árabe de Direitos Humanos, 20% da população da cidade são palestinos. A maioria mudou-se de uma Nazaré velha e superpovoada e das vilas que a cercam no fundo do vale. Muitos deles pagaram cerca de 500 mil libras por uma casa, três vezes o preço de mercado. Os vendedores são imigrantes russos que gravitam em torno de Telavive. Não há escolas palestinas ou creches, e as estradas entre Nazaré e Nazaré Alta estão sempre engarrafadas no horário do rushThere are no Palestinian schools or kindergartens, so the roads between. Mas os inexistentes 20% são representados no Conselho e, sendo Israel o que é, os dois conselheiros palestinos são parte de uma estranha coligação com a ultra-direita, o partido de Avigdor Liberman. O prefeito precisou do apoio deles para derrotar o Partido Labour. E eles pediram a receberam a promessa de de seria construída uma escola árabe em Nazaré Alta. O prefeito, ao mesmo tempo, está comprometido com a 'judeicização' – quer dizer: com a des-arabização – da cidade, e Liberman declarou em agosto que estava proibindo a imigração de árabes para Nazaré, porque a judeicização, como costuma dizer, é prioridade nacional.

A cidade foi construída nos anos 50s. David Ben-Gurion sentiu-se ultrajado pela presença de tantos árabes na Galileia quando visitou a região em 1953, poucos dias antes de afastar-se do posto de primeiro-ministro por um ano e meio. Designou o diretor geral do ministério da Defesa, Shimon Peres, para a missão de 'judeicizar' a Galileia usando legislação de emergência que permitia ao exército confiscar terras dos palestinos. Nazaré Alta foi inaugurada em 1957, e oficiais do exército instalaram-se ali.

Da criação até hoje, a área ocupada por Nazaré Alta quadruplicou. Cada expansão implicou expropriação de terra dos árabes. Os 50 mil habitantes vivem hoje num espaço urbano dinâmico que continua em expansão e desenvolvimento. Os 70 mil palestinos da velha Nazaré vivem numa cidade com metade da área original, que não tem para onde expandir-se e que, de fato, é proibida de crescer um metro quadrado, seja para que lado for; uma das colinas do oeste que ainda pertencia a palestinos foi recentemente 'requisitada' por Nazaré Alta.

Os habitantes que viviam em torno de Nazaré foram objeto do plano de judaicização de Yitzhak Rabin em 1976 – Yehud Ha-Galil. Na região, o plano implicava romper a continuidade geográfica natural entre as vilas palestinas, impondo entre elas novos núcleos de colônias exclusivas para judeus. Os judeus vieram, mas os palestinos não saíram. Então, uma segunda onda de judeicização começou em 2001, no governo de Peres e Ariel Sharon. Tampouco deu o resultado esperado: os judeus preferem viver em Telavive.

A tentativa que se faz hoje é motivada pelo fracasso das políticas anteriores para judeicizar a Galileia em geral, e Nazaré em particular. Pessoas e economias movem-se por motivos misteriosos: palestinos ricos começaram a comprar casas na cidadela construída para expulsar todos os palestinos. Para Benjamin Netanyahu aí estaria grave ameaça à segurança nacional de Israel. Políticos locais são ainda mais violentos: "Se perdermos a maioria de judeus na Galileia, será o fim do Estado judeu", disse recentemente Motti Dotan, do Partido Labour. "Sonho com uma Galileia sem árabes: sem ladrões, sem roubos, sem crimes. Poderíamos viver normalmente."

O racismo arraigado e sempre presente em Israel absolve o governo e lhe retira qualquer inibição moral que, desde o passado, poderia tem contido as ações racistas mais extremas.

Agora, convocaram-se ecologistas, industriais e acadêmicos. O Fundo Nacional Judeu está por trás da iniciativa, assim como a Sociedade para a Proteção da Natureza em Israel. O objetivo é reduzir o número de palestinos na Galileia – plenamente endossado pela poderosa união dos produtores de vinho de Israel, que adotou um plano preparado por especialistas do Instituto de Tecnologia de Israel. Publicado em 2003, o plano visa à "retomada" da Galileia, pelos judeus. E começa sem meias-palavras: "É ou nós ou eles. Os problemas de terra na Galileia provaram que qualquer território que não seja ocupado por sionistas, será ocupado por não-sionistas."

O núcleo do que propõem é tomar pela força terras estrategicamente importantes e manter a ocupação pela força até que judeus se instalem na região. O diretor da AMPA, fabricante de equipamento elétrico, disse recentemente que sua companhia não produz só geladeiras; que também trabalha ativamente pela "judeicização da Galileia", construindo novas comunidades naquela região para empregados veteranos da empresa: "Não nos envergonhamos de dizer que nossos planos têm um componente sionista."

A vila palestina de Ayn Mahil, a leste de Nazaré e ao lado de Nazaré Alta, só é acessível hoje por uma única estrada, que atravessa os bairros judeus de Nazaré Alta; nos feriados judaicos, os habitantes de Ayn Mahil não podem nem sair nem entrar em sua cidade. Em pouco tempo estarão cercados por uma nova cidade, chamada Shacharit (que significa "alvorada" em hebraico, mas é também o nome da primeira oração do dia, para os judeus). 10 mil judeus ultra-ortodoxos serão instalados em colônia que está sendo construída ali, na esperança de que assim se 'corrija' o 'desequilíbrio' demográfico considerado 'desfavorável'. Além disso, a colônia terá a 'serventia' suplementar de isolar completamente a vila de Ayn Mahil e a área central de Nazaré. As antigas oliveiras da vila já foram arrancadas, e o terreno já está sendo preparado para as novas construções. Uma nova estrada também assegurará que outras vilas sejam isoladas umas das outras e todas sejam isoladas de Nazaré.

Com os poderes especiais que recebeu como ministro da Infraestrutura nacional nos anos 90s, Sharon ordenou a construção de outra enorme fábrica de indústria pesada, a Ziporit, em terra confiscada de palestinos e próxima de várias vilas palestinas. O complexo industrial de Ziporit inclui uma fábrica de vidro e uma unidade de produção de alumínio; segundo a lei internacional, nem uma nem outra poderia ser construída em área habitada. A vila mais próxima do complexo industrial é Mashad: desde que o complexo industrial começou a operar, o número de mortes por câncer subiu cerca de 40%, naquela vila.

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* Nazaré Illit ('Nazaré Alta') é cidade no Distrito Norte de Israel. Foi fundada nos anos 50; as primeiras construções começaram em 1954 e os primeiros colonos chegaram dois anos depois. É cidade exclusiva para judeus, planejada, exatamente ao lado da cidade – predominantemente árabe – de Nazaré.