segunda-feira, maio 16, 2011

América: quebrada e perigosa

A guerra que você não vê The War You Don't See   John Pilger   legendado



Até os anos 40/50, era comum que os filmes de “assalto a banco” – inclusive o famoso 007 cntra Goldfinger – tivessem como ícone supremo o Fort Knox, onde as reservas em ouro dos EUA eram guardadas.
Com o fim da segunda guerra mundial, porém o dólar substituiu ouro como padrão de valor internacional e o vertadeiro Fort Knox de hoje é o Federal Reserve, o Banco Central americano.
O dólar, então, passou de barras brilhantes a simples papel impresso, seja em moeda, seja em títulos do Tesouro americano.
“Com base nessa garantia, os norte-americanos passaram a comprar o mundo, com a moeda que emitiam sem que se comprovasse sua relação com as barras de ouro guardadas em seu cofre de Fort Knox. Vinte e sete anos depois de realizado o encontro de Bretton Woods e 25 anos depois de entrar em vigor, o presidente Nixon, dos Estados Unidos, revogou-o: o principal articulador e beneficiário da convenção de Bretton Woods não garantia mais o acordo. A razão era singela: De Gaulle havia anunciado que queria trocar os créditos franceses em dólar por ouro, ouro, mesmo. Outros países pretenderam seguir o seu exemplo: já previam o aumento dos preços do petróleo, diante da organização dos países produtores. Foi assim que, em um dia de agosto de 1971, o colunista pode assistir a uma situação insólita: nos bancos e casas de câmbio da Europa o dólar amanheceu sem cotação. Todas as moedas eram aceitas, em taxas arbitrárias e quase aleatórias – menos a moeda norte-americana. A partir de então, o dólar passou a valer o que queriam os norte-americanos. Fort Knox foi substituído pelos mísseis.”
Agora, o feitiço vira contra o feiticeiro, ou contra os EUA.
O pais atingiu o limite de endividadento legal: 14,3 trilhões de dólares, o equivalente a todo o PIB americano no ano passado. No Brasil, nossa dívida pública, que é enorme, não chega a 50 % de nosso PIB, para vocês terem uma ideia.
Hoje, Barack Obama, que luta para obter autorização do Congresso para elevar o limite da dívida pública americanadisse que “se os investidores ao redor do mundo pensarem que a confiança no crédito( o que a Bloomberg traduziucomo default, calote)dos Estados Unidos não está sendo suportada… isso poderia desemaranhar (no sentido de desfazer as conexões de)todo o sistema financeiro mundial”.
“Poderíamos ter uma recessão pior do que tivemos, uma crise financeira pior do que já tivemos”, avertiu ele
As paredes de papel do Fort Knox financeiros são, como se sabe muralhas de papel.
Um alerta de que, com todos os festejos em torno da execução de Bin Laden, o cenário político para os americanos não é nada promissor.
Ou, para lembrar a frase de James Carville sobras chances de o então candidato Bill Clinton vencer as eleições, mesmo depois dos escândalos de Monica Lewinsky:
-É a economia, estúpido!
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Por que não denunciamos esses tiranos torturadores?
14/5/2011, Robert Fisk, The Independent, UKhttp://www.independent.co.uk/opinion/commentators/fisk/robert-fisk-why-no-outcry-over-these-torturing-tyrants-2283907.html

Christopher Hill, ex-secretário de Estado dos EUA para o leste da Ásia, que foi embaixador no Iraque – e diplomata sempre muito obediente e de pouco falar – escreveu, dia desses, que “a ideia de que um ditador se arrogue o direito soberano de atacar o próprio povo tornou-se inaceitável”.

A menos, claro – e Mr. Hill não fala disso –, que você more no Bahrain. Nessa ilha minúscula, uma monarquia sunita, os al-Khalifas, governam uma população de maioria xiita. Os al-Khalifas responderam a protestos democráticos com sentenças de morte, prisões em massa e prisão de médicos por não terem deixado morrer os feridos na repressão aos protestos de rua. E “convidaram” o exército saudita a invadir o país. Além disso, destruíram dúzias de mesquitas xiitas, com fúria de piloto do 11/9 (mas lembremos que a maioria dos assassinos do 11/9 eram de fato sauditas).

E o que fazemos quanto a isso? Nada. Silêncio. Silêncio na imprensa dos EUA, na imprensa europeia, silêncio até dos nossos bem-amados CamerClegg na Inglaterra e, claro, silêncio da Casa Branca. E – vergonha das vergonhas – silêncio também dos árabes que sabem onde o sapato aperta. Isso significa, é claro, silêncio também da al-Jazeera. Volta e meia apareço lá, nas (senão por essa vergonha) excelentes edições em árabe e inglês, mas o fato de nada publicarem sobre o Bahrain é escandaloso, uma nódoa de lama na dignidade que a rede trouxe à reportagem no Oriente Médio.

O emir do Qatar – conheço-o bem e gosto muito dele – não precisa apequenar, desse modo, o seu império de televisão.

CamerClegg na Inglaterra, claro, não abrem o bico, porque o Bahrain é um de nossos “amigos” no Golfo, voraz comprador de armas, lar de milhares de expatriados britânicos que – durante a minirrevolução dos xiitas do Bahrain – consumiram seu tempo escrevendo cartas viciosas para os jornais pró-Khalifa denunciando jornalistas ocidentais.

Quanto aos que foram às ruas, lembro de uma jovem xiita, que me disse que, se o Príncipe Coroado viesse à Rotatória da Pérola e falasse com os manifestantes, seria levado nos ombros, pela praça. Acredito nela. Mas ele não veio. Em vez disso, o Príncipe Coroado destruiu as mesquitas xiitas e declarou que os protestos de rua eram complô dos iranianos – o que nunca foram – e destruiu o Monumento da Pérola que havia na rotatória e, assim, deformou a própria história de seu país.

Obama, nem é preciso dizer, tem seus próprios motivos para calar. O Bahrain abriga a 5ª Frota da Marinha dos EUA e os norte-americanos não querem perder seu portinho acolhedor e fagueiro (apesar de que, se quisessem, poderiam facilmente levantar âncora e mudar-se para os Emirados Árabes ou para o Qatar, a qualquer momento) e querem defender o Bahrain de uma já mítica ameaça iraniana.

Por tudo isso, ninguém verá La Clinton, tão lépida ao difamar a família Assad, nada dizer contra os al-Khalifas. Por quê, santo deus, se calam? Devemos alguma coisa ao árabes do Golfo? Há por lá gente honrada, que entende críticas que lhe sejam feitas de boa fé. Mas, não. O ‘ocidente’ está calado. E continua calado até quando estudantes do Bahrein, que estudam em Londres, têm suas bolsas de estudo canceladas porque se reuniram à frente da embaixada em Londres. Continuamos calados. Vergonha, CamerClegg!

O Bahrain nunca teve reputação de “amigo” do ocidente, por mais que goste de ser visto como tal. Há mais de 20 anos, qualquer um que protestasse contra a dominação pela família real corria risco de ser torturado nos quartéis da guarda de segurança. O chefe era então um ex-policial britânico, da Polícia Especial, cujo torturador chefe era um major pervertido, do exército da Jordânia. Quando publiquei seus nomes, recebi, de resposta, uma charge, no jornal Al-Khaleej, do governo, em que eu aparecia como um cão hidrófobo. Cães hidrófobos, claro, têm de ser exterminados. Não era piada. Era ameaça.

Mas os al-Khalifas não têm problemas, sequer, com o jornal da oposição, Al-Wasat. Prenderam um dos fundadores do jornal, Karim Fakhrawi, dia 5 de abril. Uma semana depois, Fakhrawi estava morto. Morto sob custódia da polícia. Dez dias depois, prenderam o colunista do jornal, Haidar Mohamed al-Naimi. Desde a prisão, nunca mais foi visto. Mais uma vez, silêncio de CamerClegg, Obama, La Clinton e do resto.

A prisão e a acusção feita aos médicos xiitas – acusados pela morte dos feridos a tiros que atenderam – é ainda mais vil. Eu estava no hospital quando os feridos foram levados para lá. Os médicos reagiram com horror, misturado com medo – porque jamais haviam visto de perto ferimentos a bala à queima-roupa. Agora, estão presos: os médicos e os pacientes, arrancados do leito do hospital.

Se isso acontecesse em Damasco, Homs, Hama ou Aleppo, nossos ouvidos estariam cheios dos cacarejos dos CamerClegg, Obama e La Clinton. Mas não. Silêncio.

Quatro homens foram condenados à morte por matar dois policiais do Bahrain. Julgamento em tribunal militar, fechado. As “confissões” foram divulgadas pela televisão. Estilo soviético. Nem uma palavra de CamerClegg, Obama ou de La Clinton.

Que loucura é essa? Bem, posso contar. Nada tem a ver com o Bahrain ou com os al-Khalifas. O caso é que todos temos muito medo da Arábia Saudita. O que significa que se trata, também, de petróleo.

Trata-se de o ocidente recusar-se absolutamente a lembrar que o 11/9 foi obra, em larga medida, de sauditas. Trata-se de o ocidente recusar-se a lembrar que os sauditas apoiaram os Talibã, que Bin Laden era saudita, que a versão mais cruel do Islã nasceu na Arábia Saudita, terra de degoladores e cortadores de mãos.

Trata-se, mesmo, de uma conversa que tive com um funcionário do Bahrain – homem de bem, decente, honesto – ao qual perguntei por que o primeiro-ministro do Bahrain não poderia ser eleito pela população majoritariamente xiita. “Porque os sauditas jamais permitirão”, disse ele. É isso. São os nossos outros amigos. Os sauditas.

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