terça-feira, novembro 29, 2011



Repressão nas Universidades dos EUA: O Silêncio dos Reitores

Eles já não são realmente educadores, pesquisadores ou cidadãos de suas comunidades. São agentes contratados pelos painéis de governança corporatizados.

Por Roland Greene [23.11.2011 11h45]
Tradução e nota introdutória de Idelber Avelar
Nota da Fórum: o mundo universitário estadunidense foi sacudido nas duas últimas semanas por duas sequências de acontecimentos que abalaram fortemente a credibilidade de seus administradores. Num dos principais programas universitários de futebol americano, o da Penn State, foi revelado um esquema de pedofilia de mais de quinze anos de duração. O antigo coordenador defensivo, Jerry Sandusky, foi preso pelo abuso de oito garotos. O técnico, Joe Paterno, uma lenda viva comparável ao que era Telê Santana no Brasil, foi demitido depois de 61 anos na instituição. Por outro lado, as imagens de uma série de intervenções policiais violentas, especialmente nos campi da Universidade da Califórnia em Berkeley e em Davis, rodaram o mundo e revelaram a cumplicidade dos administradores universitários com o aparato repressivo. O texto abaixo, de autoria do Prof. Roland Greene e traduzido em primeira mão pela Fórum, faz uma análise dos acontecimentos recentes.

O Silêncio dos Reitores
As imagens da universidade-empresa nesta semana acabaram sendo indeléveis. Depois de vistas, não há como esquecê-las.
Como todo mundo, tenho refletido sobre os acontecimentos em Penn State, Berkeley e Davis que sacudiram o ensino superior dos EUA. Todos sabem dos problemas nesses lugares e em outros: o declínio contínuo do investimento público nas universidades de ponta, a evacuação moral dessas instituições em favor do negócio e dos esportes; o desaparecimento de um futuro para o projeto de uma sociedade responsável e de jovens instruídos; e os ataques injustificáveis a professores e estudantes que se manifestavam no “Ocupar” Berkeley, Davis e outros campi em protesto contra a cumplicidade de suas universidades no saqueio às classes trabalhadoras e médias.
O que acontecerá agora? Não tenho ideias melhores que as de qualquer outra pessoa, mas suponho que há uma lição a se retirar do que estamos vendo, e é o descrédito da classe de administradores profissionais no ensino superior. Um vídeo, feito hoje [19/11], na Universidade da Califórnia em Davis, conta a história.
Em primeiro lugar, o contexto é a chocante demonstração de violência esta semana por um membro da polícia do campus de Davis, lançando spray de pimenta sobre manifestantes estudantis pacíficos – gesto que foi depoisdefendido pelo chefe da polícia. Alguns dias antes, houve a não menos espantosa reação de um policial de Berkeley a uma manifestação basicamente pacífica de professores e estudantes, na qual (entre outros acontecimentos), a diretora do Centro Townsend de Ciências Humanas, a Professora Celeste Langan, foi arrastada pelos cabelos, jogada no chão e presa.
Há muitas questões aqui, incluindo-se o caráter paramilitar das táticas policiais que têm começado a parecer normais até mesmo nos campi universitários. James Fallows observa que “isto é o que acontece quando não se pode responsabilizar uma autoridade que já perdeu qualquer senso de vínculo humano com uma população sujeitada”. Eu gostaria de tecer algumas observações sobre uma versão acadêmica desta impossibilidade de responsabilização [unaccountability].
Neste vídeo, a administradora da Universidade da Califórnia em Davis, Linda Katehi, caminha entre um grande grupo de estudantes que a confrontam silenciosamente com o olhar e de braços dados. Qualquer educador pegaria o microfone e tentaria, pelo menos, tratar das agudas diferenças de valores que são palpáveis até mesmo num vídeo. Mas Katehi não faz nada além de caminhar até o seu carro com um semblante congelado.
O ar distante de Katehi, e especialmente o seu silêncio, é das coisas mais terroríficas que já vi nestas várias semanas de tumulto. O silêncio dos manifestantes é uma declaração; o de Katehi é uma renúncia.
Assim como o administrador de Berkeley, Robert Birgeneau, que esperou quatro dias para ver os vídeos das manifestações em seu campus, Katehi é responsável pelos malfeitos da polícia do campus face a um protesto pacífico. Eles estavam obrigados a avisar seus policiais acerca dos limites no uso de força, não só em geral, mas também à luz dos acontecimentos recentes que pressagiavam protestos vívidos em todos os campi. Suspeito que Katehi renunciará sob pressão dentro de uma semana, mais ou menos, depois que ela demita o policial que aparece no vídeo e o seu chefe de polícia, Annette Spicuzza.
Katehi, Birgeneau e o antigo Reitor de Penn State, Graham Spanier (assim como o Reitor da Universidade da Califórnia, Mark Yudof), têm pelo menos uma coisa em comum: eles pertencem à classe de administradores profissionais que tomaram conta das universidades públicas (e muitas das privadas) nos EUA nos últimos vinte anos.
Para além do que tenham sido no começo de suas carreiras (na maioria dos casos, professores altamente destacados), eles já não são realmente educadores, pesquisadores ou cidadãos de suas comunidades. São agentes contratados pelos painéis de governança corporatizados, que se mudam de uma universidade a outra em busca de um graal de ambição. Não é raro que Reitores e administradores tenham tido cargos sênior em três, quatro ou cinco instituições. Até onde sei, os quatro líderes mencionados acima já tiveram, entre eles, papéis administrativos em 14 universidades nos EUA e no Canadá. Já tendo estado em todos os lugares, essas pessoas não pertencem, em outro sentido, a lugar nenhum. Elas foram contratadas por algumas coisas nas quais são especialistas: levantar fundos, cultivar contatos externos, inventar nomes para fortunas declinantes e refazer as “marcas registradas” de seus campi.
Presos a interesses de negócios que dominam os painéis de governo das universidades e encharcados da sabedoria convencional do establishment da educação superior, esses administradores profissionais estão desprovidos de um vínculo com o trabalho cotidiano de suas instituições que lhes permitisse produzir, como propõe Cathy Davidson, um “Discurso de Gettysburg” que enfrentasse os desafios morais deste momento. O professor mais inexperiente desses campi estaria melhor preparado para essa tarefa. A falta de responsabilização e de vínculo dos policiais, apontada por Fallows – que poderíamos também estender ao escândalo esportivo em Penn State—começa no topo dessas instituições.
O movimento “Ocupar” terá seus sucessos na sociedade em geral, mas nos campi americanos ele pode ter um resultado salutar: mostrar aos painéis de governo que esses administradores itinerantes não podem ser responsáveis pelo futuro de nossas instituições. Eles podem até saber governar um campus no dia-a-dia, mas quando algum acontecimento imprevisto altera profundamente a vida de uma universidade, eles não têm a capacidade de responder da mesma forma que qualquer professor normal responderia, com cuidado e decência. A primeira resposta é o silêncio – logo seguido de declarações apressadas que tentam obscurecer e contemporizar.
O silêncio não é estratégico ou racional, até mesmo de um ponto de vista legal. Creio que se trata de estupefação ante um mundo que se descarrilha de seus planos e programas. É a crise cognitiva da universidade empresa—e suspeito que veremos mais exemplos nos próximos meses.
Universidades como Penn State, Berkeley e Davis têm legiões de professores brilhantes, apaixonados, que merecem liderança melhor do que a que estas figuras fornecem. Cada um desses campi possui pelo menos meia dúzia de líderes docentes—e todo mundo lá sabe quem são eles—que poderiam servir como Reitores ou administradores agora.
É hora dos acionistas interromperem este aspecto da universidade empresa em favor de lideranças autóctones, locais—e, talvez, sob um tipo diferente de líder, outros elementos da transformação da universidade em empresa sejam questionados (por exemplo: por que a crise de orçamento em Berkeley e em muitos outros lugares não encoraja os administradores a reduzir ou mesmo cancelar os programas esportivos, eu não entendo. A gritaria seria inédita, mas também o seria a conversa gerada acerca das prioridades de uma universidade).
O silêncio dos Reitores ante o crime e a injustiça revela a falência de um modelo de liderança empresarial no qual se afundaram muitas universidades. Será que alguns vídeos poderão ajudar a mudar isso ?
Original aqui.