sábado, maio 18, 2013

Walter Rodrigues. Três anos. Três textos.


Hoje faz 3 anos da morte do Walter, abaixo 3 textos do inesquecível Colunão...


24.01.08



Ex-primeiro-ministro e ex-presidente da República Italiana, o senador vitalício Francesco Cossiga é tido e havido em seu país como homem sério, responsável e de uma sinceridade desconcertante. Tão coerente que não poupou nem mesmo a confissão de seus próprios pecados.

No seu sétimo ano como presidente, em 1992, causou um grande alvoroço ao revelar ao país sua participação numa certa “Operação Gládio”, tão sinistra ou ainda mais que a Operação Condor montada pelas ditaduras sul-americanas nos anos 1980.

A Gládio foi operada pela Otan (aliança militar liderada pelos Estados Unidos) durante mais de 20 anos, nos anos 60, 70 e 80. Consistiu em realizar atentados a bomba contra civis, que eram então atribuídos à extrema-esquerda italiana ou aos serviços secretos de países comunistas.

No jargão dos órgãos de segurança, esse tipo de farsa é conhecido como false flag operations (operação com falsa bandeira) e sua ocorrência na Itália foi confirmada em depoimento a uma comissão parlamentar de inquérito por Vincenzo Vinceguerra, agente da Gládio, que descreveu assim suas atividades:

- “Você tem de atacar civis, pessoas, mulheres, crianças, pessoas inocentes, gente anônima afastada da política. O motivo é muito simples: forçar ... o povo a voltar-se para o Estado a pedir mais segurança.”

Onze de setembro

Cossiga teve que renunciar ao cargo, porém continua como senador vitalício (como todo ex-presidente italiano) e mantém a rara fama de político sincero.

Pois agora ele volta à cena com uma denúncia muito semelhante, porém de maior calibre. Em entrevista ao respeitado diário italianoCorriere de la Sera, afirma que os ataques de 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington foram perpetrados não pela organização terrorista de Osama Bin Laden, como consta das versões oficiais, mas sim pelos serviços secretos dos EUA e Israel, a CIA e o Mossad.

Vai além: diz que esse fato — a responsabilidade da CIA e do Mossad — é amplamente conhecido por outros serviços de inteligência, e que o objetivo, como na Operação Gládio, foi fazer o povo norte-americano exigir “mais segurança”. Criou-se assim o ambiente propício à invasão e ocupação do Afeganistão e depois do Iraque, manobras coerentes com a estratégia de controle das reservas de gás e petróleo das ex-repúblicas soviéticas da Ásia e dos grandes produtores do Oriente Médio.

Tão chocante quanto as declarações de Cossiga é o silêncio com que foram recebidas pelos governos da Otan, a começar por Washington, e pela mídia transnacional e seus satélites. No Brasil, por exemplo, nenhum grande jornal, revista ou emissora de TV destacou a acusação contra a CIA e o Mossad.

Cossiga pode estar errado. Numa hipótese mais rude, pode até estar inventando. Mas não é o que sugere a biografia do ex-presidente italiano. Um homem que fala a verdade quando denuncia seu próprio passado de “terrorista oficial” dificilmente iria mentir num assunto dessa gravidade, ainda por cima sem nenhum proveito que se possa imaginar.

Terror de Estado

Esta não é a primeira vez que alguém sugere a hipótese de “terrorismo de Estado” e “terrorismo interno” nos episódios do 11 de setembro. Tampouco seria novidade na História um governo imperialista organizar uma farsa desse tipo para justificar agressões a outros países.

Mas até hoje ninguém com as qualificações de Cossiga tinha ido tão longe, o que deveria bastar para uma ampla e profunda investigação internacional a respeito. Ou pelo menos para que a grande mídia encarasse a discussão do tema.

Leia mais sobre o assunto em http://grupobeatrice.blogspot.com/.

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04.10.07



Che no enterro de "Veja". Mas qual enterro?

A reportagem especial anti-Guevara que Veja pôs nas bancas no último sábado, é tão falsa e preconceituosa que contraria o próprio estilo da revista.

Ao mencionar a famosa foto de Ernesto Che Guevara feita pelo cubano Alberto Korda em 5/3/1960, a metralhadora dos Civita diz apenas que o guerrilheiro foi fotografado “num enterro”.

Não num enterro qualquer: o enterro das vítimas da explosão do cargueiro belga La Coubre, sabotado por terroristas no porto de Havana, apenas 15 meses após a vitória da revolução de janeiro de 1959. Cem mortos e 300 feridos.

Terror da CIA
Impossível não suspeitar que Veja — uma publicação famosa pelo detalhismo nas informações que lhe interessam — escondeu as circunstâncias do enterro para não atrapalhar sua “tese” antiguevarista ou desagradar seus patrocinadores.

É que sempre houve fortes suspeitas de que o atentado, como tantos outros no período, e posteriores, foi engendrado ou auxiliado pela CIA, a central de espionagem e operações especiais dos Estados Unidos.

Cerca de um ano depois da explosão do Le Coubre, 1.500 exilados cubanos, na maioria ex-policiais e ex-militares, desembarcaram na baía dos Porcos para tentar a derrubada do governo revolucionário. Lanchas e aviões dos EUA apoiaram a intentona.

Fracasso total e humilhante: 1.200 dos invasores foram capturados.

Nesse episódio ninguém duvida, pois a evidência histórica e documental é incontestável: foi obra da CIA mesmo. 
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O governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), contratou e assinou artigo no qual declara que sua provável cassação pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) equivaleria a um “golpe contra a democracia” e à redução do estado a uma espécie de “Galápagos”, o arquipélago equatoriano onde Charles Darwin achou a tartaruga gigante, o iguana marinho e outras espécies extintas no resto do mundo. Pois sem ele no governo do estado estaria “revogada a alternância no poder”.

Publicado originalmente no Consultor Jurídico de 9/12/08 e republicado como matéria paga ou graciosa em vários outros sítios, a alegoria publicitária contrasta com o parecer objetivo e denso do vice-procurador geral eleitoral, Francisco Xavier Pinheiro, favorável ao provimento do recurso interposto pela coligação de Roseana Sarney (PMDB) contra a diplomação de Jackson. Parecer que o governador não enfrenta.

De um lado, as frases feitas do ghost writer, alegações quase sempre infundadas e distorção de situações e fatos recentes e próximos passados. Do outro, a exposição sistemática da “captação ilícita de sufrágio” e de um abuso de poder político e econômico como poucas vezes se terá praticado em qualquer parte do mundo.

Uma das poucas verdades na declaração marqueteira é a identificação do ex-presidente José Sarney e sua filha Roseana com esse modo de mandar e usufruir que se chama oligarquia, o poder de poucos em proveito de poucos. Acrescido, no caso maranhense, de características provincianas ou paroquiais. O resto é quase tudo inverdade e fingimento pveara iludir os incautos.

Jackson não tem nada a ver com democratização, transparência ou bons costumes administrativos. Não é o avesso da oligarquia, muito pelo contrário. Lidera e representa uma facção oligárquica que, boas almas à parte, que sempre as há, no conjunto apenasexacerba os maus costumes tradicionais no estado, inclusive a pilhagem do patrimônio público.

Oligarquia e nepotismo

Basta pôr os olhos em São Luís na Ponte Governador Sarney, no Palácio Roseana Sarney Murad (do Tribunal de Contas) e no ex-Fórum Presidente Sarney (do Tribunal Regional do Trabalho) para ter a nítida impressão do culto à personalidade do ex-presidente. Ao longo de 40 anos, o jovem e criativo governador dos anos 60, adversário da oligarquia de Vitorino Freire, converteu-se pouco a pouco no sumo sacerdote de si mesmo, com a natural colaboração de indigentes e oportunistas. Criou até uma fundação para adorá-lo em vida, a pretexto de estudar a “instituição da presidência da República”.

De tanto creditar-se a paternidade de todo o bem que porventura exista no Maranhão, com a possível exceção das palmeiras onde canta o sabiá, Sarney acabou construindo em torno de si uma religião de dupla face. Uns o adoram como deus, outros como diabo, estes últimos atribuindo-lhe poderes maléficos praticamente infinitos. Resulta daí o maniqueísmo que não só viceja no estado como serve à exportação midiática.

Jornalistas e outros observadores capazes das mais cerebrinas distinções em São Paulo e Brasília acreditam piamente que no Maranhão só há Sarney e anti-Sarney, o Mal e o Bem, ou vice-versa. Sem falar — mas como não falar? — das opiniões estimulados ou francamente alugadas por quem tira proveito dessas crendices políticas.

Uns e outros não querem ver que se o ex-presidente fosse capaz de obrigar a Justiça Federal a um adversário sem motivo, certamente teria podido impedir que o empresário Fernando Sarney fosse grampeado, despojado do sigilo bancário e fiscal e quase preso por conta de movimentações financeiras suspeitas que ainda luta para justificar.

Se é ridículo fantasiar Sarney de Mefistófeles, não menos tola é a identificação de Jackson com o Justo e o Belo. Pois que Bem absoluto será esse que enfiou mais de 30 Lago e Moreira Lima (da família da “primeira-dama” Clay Moreira Lima Lago) na folha de salários do estado, desde 1o de janeiro de 2007, quando a aliança PDT-PSDB e seus rabichos, inclusive uma ala do PT, pôs os dentes no poder? Que avanço é esse, que mudança?

Jackson elegeu-se prometendo que o Maranhão deixaria de ser “de uma só família, para ser de todas as famílias”. As dele. Nesse, como noutros lances, o atual governador piora o que sempre foi ruim. Aderson Lago (Casa Civil) é primo. Wagner Lago (Assuntos Institucionais), irmão. Clay Lago (nomeada secretária oficial), esposa. Antônio Carlos Lago (Porto do Itaqui), irmão. A secretária adjunta de Wagner, Lívia Lago, é prima deles. A adjunta de Clay, Cristina Moreira Lima, cunhada do governador.

Primus inter pares

A farra estende-se aos colaterais, afins, afilhados e xerimbabos e ainda invade os outros poderes. Aderson Lago é o primus inter pares do nepotismo e da fisiologia. Tem 16 “secretários adjuntos”, dos quais o mais assíduo e prestativo é Augusto Lago, espécie de sobrinho adotivo. O pai de Augusto, Ubiratan, estava à morte numa UTI quando Aderson mandou nomeá-lo (o Executivo manda no Legislativo) assessor parlamentar da Assembléia.

Ele e mais três. Pois mal começava o governo quando o Diário da Assembléia de 12/4/07 publicou de uma só pedrada a nomeação de Ubiratan Lago e mais Aderson Lago Neto e Carolina Lago, filhos de Aderson, e Maria Cristina Salomão Lago, mãe do secretário. Dona Maria tem 80 anos, quase não sai de casa e já recebe do Estado uma pensão de mais de R$ 20 mil como viúva de procurador. Provavelmente sabia tanto da jogada do filho quanto o moribundo Ubiratan.

Escândalo denunciado, a Assembléia cancelou as nomeações, mas ainda restaram na casa a esposa e uma afilhada de Aderson, dupla nomeada em 2006 e mais fácil de encontrar rezando segunda-feira numa igreja que trabalhando na “assessoria parlamentar” em qualquer dia da semana.

De Aderson Lago Neto voltou-se a falar há cerca de seis meses, com a comprovação de que dinheiro desviado da Saúde estadual estacionara numa conta comercial dele no Rio de Janeiro. Foi o escândalo Opera Prima, nome da firma dele. Pai e filho silenciaram a respeito da denúncia. Apesar disso — oligarquia é assim — não há inquérito policial, nem investigação do Ministério Público estadual. Assim como nunca se apurou o escândalo da falsa “campanha publicitária emergencial” contra dengue e febre aftosa, forjada em palácio no final de março do ano passado, para justificar mais uma facada de R$ 3 milhões no erário. (Leia mais, abaixo, sobre os dois casos).

Navalha na carne

Anote-se que dois sobrinhos de Jackson estão fora do nepotismo salarial acima descrito. Nem por isso o erário economiza. Segundo a Procuradoria Geral da República, Alexandre Lago e Paulo Lago recebiam por fora como intermediários de propinas destinadas ao próprio governador pela construtora Gautama, da Bahia, âncora de uma quadrilha de peculatários cuja atuação alcançava nove estados e o Distrito Federal.

A denúncia da PGR enquadra, entre os maranhenses, o próprio Jackson, o ex-governador José Reinaldo (PSB), o ex-secretário de Obras nas duas gestões, os dois sobrinhos indigitados, o secretário de Relações Institucionais, o secretário de Planejamento, o ex-procurador geral do Estado e vários outros funcionários.

Alguns, como Zé Reinaldo e os sobrinhos Lago, foram algemados e recolhidos à carceragem da PF em Brasília. Jackson escapou do constrangimento porque a ministra Eliana Calmon, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), invocou para excluí-lo das algemas um dispositivo inexistente na Constituição do Maranhão. Acontece.

Ao contrário dos parceiros, Jackson não está sendo processado no STJ. A Assembléia, dominada pela ampla maioria governista que também nunca faltou a Roseana e aos demais antecessores — é sempre assim na oligarquia — recusou a licença requerida pelo tribunal. Recusou-a baseada nalguma espécie de intuição ou clarividência, porque nem perante essa platéia inclinada à indulgência o governador articulou defesa ou argumento dignos desses nomes. Limitou-se a declarar que negava “peremptoriamente” as acusações. Peremptório é aquilo que encerra a conversa, que não admite discussão. Quero, posso e faço.

Chefe dos chefes

Os deputados acataram o ditado porque quiseram. Se olhassem nos próprios autos parlamentares encontrariam vários discursos em que o governador é adulado pelos correligionários como “nosso Chefe Maior”. Coincidência: a contabilidade paralela de Zuleido Veras, chefe do bando Gautama, destina o maior percentual das propinas no Maranhão a um cavalheiro cognominado “Chefe Maior”. Abaixo dele vem um certo AZ, que talvez não seja o poderoso secretário Aziz Santos, espécie de manda-chuva da administração. Veja.

É interessante notar que Jackson não nega inteiramente os fatos apurados pela PF, nem morre fardado por nenhum dos demais suspeitos. Nunca balbuciou uma palavra nem em defesa de Zé Reinaldo, autor da sua eleição. Em depoimento no STJ, reconheceu tranquilamente a voz de um parente numa gravação incriminatória e chegou a dizer ao jornalista Luiz Nassif que seus “sobrinhos queridos” eram “culpados”. Prometeu também “investigação rigorosa” e “punição dos responsáveis”, mas não há inquérito policial ou ação do Ministério Público do Maranhão referente a esses fatos. Só no STJ.

Inimigo de ocasião

Volte-se ao artigo “Galápagos”. Pouca coisa ali fica de pé sem as muletas do estelionato. Diz que dedicou “40 anos de lutas” contra a “máquina de desinformação” da família Sarney. Como?

Sarney só teve “máquina de desinformação” a partir de meados dos anos 80, quando começa a instalar-se o Sistema Mirante de Comunicação. São pouco mais de 20 anos. Nesse período, começando, para simplificar, em 1986, houve seis eleições de governador e seis de prefeito de capital. Em metade das primeiras, Jackson tinha o mesmo candidato de Sarney, seja no turno único (Cafeteira, 1986), seja no segundo (Lobão, 1990, e Roseana, 1994). Quase são aliados em 2002 também. Em 1990 e 94 o apoio foi dissimulado, mas eficaz, como nunca deixaram de reconhecer os candidatos derrotados, Castelo (90) e Cafeteira (94).

Das seis eleições na capital, Jackson teve o apoio da ex-governadora em pelo menos duas. Por baixo dos panos, no 2o turno de 1996. Em aberta coligação PDT-PFL (veja os doiscomemorando.), no ano 2000.

Ficou combinado que em 2002 ele seria o candidato dela a governador e ela o dele à Presidência da República. O episódio Lunus (apreensão pela PF de dinheiro de origem ignorada num cofre da firma dirigida por Jorge Murad, marido e sócio da governadora) impediu a execução do combinado. Roseana viu-se forçada a promover a candidatura do vice Zé Reinaldo, que não tinha voto nem se dava bem com ela. Jackson foi devolvido à oposição.

Abuso de poder

Quem sabe de política sabe que candidatos freqüentemente abusam do poder que tenham, no governo ou na oposição. Admite-se até que seja “normal” um certo nível de ilegalidade. Há situações, entretanto, que nenhum “realismo” seria capaz de justificar.

No Maranhão dos últimos 25 anos, há três episódios célebres de abuso. O mais ostensivo ocorreu na eleição municipal de 1985, quando o esquema do presidente Sarney mobilizou o Governo do Estado e a Prefeitura da capital, além das grandes empreiteiras nacionais, para tentar eleger na marra o candidato Jaime Santana (PFL), comprando voto no varejo e no atacado. Sem sucesso.

A arbitrariedade repetiu-se no governo Ribamar Fiquene (1994), patrono da primeira eleição de Roseana. Uma avalanche de cestas básicas e sacos de leite, propaganda ilegal, a compra de prefeitos e deputados e a captura pirata de partidos desvirtuaram nitidamente o processo eleitoral. Sem falar das persistentes suspeitas de fraude na apuração do TRE.

Mas nem isso tudo de 94 — que de Jackson jamais mereceu a mínima censura — supera os abusos cometidos por Zé Reinaldo em 2006 para forçar a eleição do atual governador, a quem favoreceu, embora por conveniência ele negue, desde o primeiro turno. O próprio marqueteiro oficial gabou-se numa entrevista da luminosa idéia de lançar três candidatos, um para vencer, Jackson, outro para “tirar voto de Roseana”, Edson Vidigal (PSB), e um terceiro, o tucano Aderson, como laranja destruidor.

Consta também dos autos do Recurso contra Expedição de Diploma n. 671 a declaração gravada e filmada do então governador, com Jackson a seu lado, de que os maranhenses haveriam de escolher entre “dois homens honestos”, Jackson e Vidigal. Depois disso assina mais um convênio de R$ 1 milhão com o prefeito da cidade de Codó e ouve o discurso de Jackson elogiando a política de convênios, cuja ausência no governo Roseana, segundo eles, seria a causa da pobreza do Maranhão...

Desequilibrando

Calcula-se sem exagero que Zé Reinado torrou R$ 1 bilhão do erário na campanha, cumprindo a promessa de que usaria sem hesitar “a estrutura de governo”. Só em convênios com prefeitos mais frequentemente ladravazes que benfeitores, e também com “entidades sociais” não raro fantasmas ou corrompidas, foram mais de R$ 600 mil, dos quais quase metade liberados quando a lei não permitia mais. Ouça-se o Ministério Público Eleitoral:

“A candidata Roseana, vencedora do primeiro escrutínio, terminou perdendo a eleição devido ao volume imenso de convênios e transferências implementadas no período vedado.... Os próprios recorridos reconhecem.... transferências no montante de R$ 280.045.128,81. Também afirmam que os convênios foram celebrados com 156 municípios do Estado.... Pelo montante de transferência de recursos financeiros e o número elevado de convênios, pode-se afirmar com segurança que houve também abuso de poder econômico e de autoridade, sendo certos a quebra da legitimidade da eleição e o desequilíbrio da disputa”.

Jackson faz cara de espanto perante a acusação de abuso do poder de mídia. Mas como, se o grupo Sarney controlaria “90% de toda a mídia do estado”? Não. O grupo Sarney tem jornal, televisões e rádios, usa-os muitas vezes sem nenhum escrúpulo, mas fora do Governo está longe do monopólio sugerido nas alegações do governador. Dos onze jornais de São Luís, oito fizeram a campanha de Jackson em 2006, repetindo-se mais ou menos a proporção entre as emissoras de rádio.

A TV principal dos Sarney, Mirante, limitada pelos controles da Globo, — que ademais não via razão nenhuma para simpatizar com a candidata de Lula no Maranhão — nem pôde empatar com a propaganda desenfreada da TV São Luís (Rede TV), duas ou três horas de campanha governista todo santo dia. Nem com os pagamentos abertos ou dissimulados com que o Governo conquistou espaço em outras duas. Até a TV Difusora (SBT), pertencente à família de um tradicional aliado de Sarney, o senador Edison Lobão, atual ministro das Minas e Energia, por pouco não arrenda seu departamento de jornalismo ao esquema governista.

Ordens de cima

Nunca se subornou tanto jornal e jornalista como a partir de 2005 no Maranhão. Ao ponto de a assessora de Comunicação, Flávia Regina, determinar ao matutino mais antigo de São Luís, O Imparcial, quantas páginas e seções devia ter, e o que devia e não devia ser manchete, sob pena de retaliação publicitária. Por escrito.

Verbis: “O Imparcial precisa honrar a tradição de seu nome e fazer por merecer a verba publicitária do Governo do Maranhão que, para seu conhecimento, é a segunda maior destinada aos veículos de Comunicação de todo o Estado – embora há [sic] quem, no próprio Governo, considere ser um recurso investido com pouco retorno.”

A carta integra uma série de arquivos digitais subtraídos clandestinamente ao computador de Flávia Regina e divulgados sem contestação oficial logo após a eleição de 2006. Acredite: oImparcial ignorou o assunto. Também faz parte dos arquivos secretos da assessora a seguinte circular à imprensa governista:

“Vamos produzir uma matéria com os fortes indícios de que uma “onda crescente” ameaça os domínios do Grupo Sarney no Maranhão. É fundamental documentar com imagens paredes com pichações, adesivos, camisetas que trazem alusão à indignação popular neste momento de “Agora ou Nunca”.... Alguns locais de São Luís precisam ser fotografados....” E aí indicava os locais (previamente pichados pelas equipes governistas), as barracas governistas, e até os intelectuais que deveriam ser entrevistados sobre a “onda”.

Plantio de idéias

Tudo isso obedecia à orientação da Pública, uma agência de marquetagem sem limite ligada ao PSDB paulista, sobretudo eficiente na criação de movimentos artificiais e no plantio de notícias, comentários e editoriais na mídia de qualquer estado, inclusive S.Paulo. Uma de suas campanhas, “Maranhão Urgente”, antecipou o título e os argumentos de um editorial de O Estado de S.Paulo. Em 2007 reapareceu montando campanhas e induzindo comentários pró-Jackson contra a Operação Navalha, incluindo matéria de um repórter de Valor Econômico enviado a São Luís. Foi novamente acionada agora, para criar um “movimento” de hostilidade à hipótese de cassação.

Há gente inocente nessa onda, como o centenário arquiteto Oscar Niemeyer. Ou como a Secretaria de Cultura do PT, que navegou distraidamente na própria ignorância dos fatos do Maranhão. Pensam que Jackson é um “esquerdista” em confronto com a “oligarquia”.

O Maranhão, é um estado de oligarquias, sim, das quais a mais poderosa é sempre a chefiada pelo governador. O oligarca-mor, atualmente, é Jackson. Invoca Brizola e Darcy, mas pratica muito longe disso.

Em vez de algum “Darcy”, o secretário da Educação é Lourenço Vieira da Silva, ex-presidente do Incra da ditadura nos tempos de maior expansão da grilagem na Amazônia Legal. Foi secretário do governador Sarney nos 60 e nos 70 um militante do grupo direitista do general Sylvio Frota, o ex-ministro do Exército que se opunha à abertura “lenta e gradual” do presidente Geisel. Agora ruge como a besta negra do magistério público estadual, que a muito custo resistiu a suas ameaças e derrotou por 10 a 1, no Supremo, uma “lei do Cão” que lhe subtraía direitos.

Lixo generoso

Ao Lourenço da Educação e ao tucano Aderson, de perfil inconfundível, somam-se o AZ do Planejamento e a tucana Telma Pinheiro (ex-PFL), esta na mal falada Secretaria de Obras. O secretário da Juventude e dos Esportes, Weverton Rocha, famoso por aliviar o cofre da Umes (União Municipal dos Estudantes Secundaristas), escapou da condenação ao obter a suspensão condicional do processo, num acordo “réu primário” com a promotoria. Mas não se emenda: fez convênio com uma jovem fundação cuja presidente é a própria mãe do bacana.

Delinqüências semelhantes ocorreram nas duas últimas passagens de Jackson pela Prefeitura de São Luís. A companhia de limpeza pública Coliseu converteu-se em casa da moeda, com diretores descontando na boca do caixa os cheques emitidos pela Fazenda Municipal para pagar salários e outras despesas de custeio.

Documentos de caixa 2 exibem remessas injustificáveis para secretários e para o PDT. Veja.

Outros papéis entregues à Polícia por um trânsfuga do esquema — papéis cuja autenticidade o próprio Jackson confirmou em depoimento — surpreendem mais ainda pela vulgaridade. Num bilhete rabiscado e assinado pelo prefeito, o presidente da Coliseu recebe ordem de pagar pequenas quantias a militantes do Partido Verde recém-cooptados. Para que não fique dúvida do que se trata, Jackson assinala: “Conversará com Clodomir” (o secretário de Assuntos Políticos).Veja.

Diante disso não surpreende que o correligionário sucessor de Jackson na Prefeitura tenha imediatamente decretado “estado de emergência na limpeza pública”.

Violência é inédita

De esquerda mesmo o atual governo maranhense tem apenas uns “companheiros de viagem” no segundo time, a recepção tão calorosa quanto inútil a Hugo Chávez em São Luís e um convênio com o MST para suposta alfabetização “cubana” nos assentamentos do interior, enquanto os professores e sem-teto da capital são contidos pela polícia. Estranho MST, que mal dialoga com o governo Lula, mas encontra afinidades misteriosas com um governo controlado por políticos tucanos e assemelhados, oriundos das facções mais direitistas do sarneísmo tradicional.

Falta ainda dizer que a pistolagem e os grupos de extermínio, mais ou menos contidos ou diminuídos no governo Roseana (apesar das incoerências, politicagens e ambigüidades que a comprometeram) recrudescem desde 2007. A tortura permanece ou piora. PMs mataram a pancada um compositor popular e o caso só não foi abafado porque era justamente o animador dos comícios tucano-pedetistas.

Uma professora apareceu morta numa praia durante a greve contra a “lei do cão” e até hoje a Polícia não sabe se foi suicídio ou homicídio, inobstante o bilhete que ela deixou culpando o governador pelo gesto. Dois prefeitos e um famoso ex-presidiário tombaram assassinados de emboscada e ficou por isso mesmo. “Justiceiros” atuam livremente.

Novidade mesmo é a violência contra adversários políticos do Governo. Os oligarcas sarneístas nunca festejaram a vitória agredindo os derrotados, mas a casa de Roseana foi apedrejada pelos oligarcas jackistas em 2006. Inédito também o ataque ao ex-senador Chiquinho Escórcio (DEM), que não é flor que se cheire mas é gente e cidadão. Agarrado à luz do dia no hall de um hotel, foi derrubado, chutado e enfiado em camburão por policiais acionados pelo primo Aderson. Motivo: momentos antes houvera dito uns desaforos a Lourival Bogéa, diretor do diário chapa-branca Jornal Pequeno e usuário do incrível pseudônimo deDoutor Peta (Doutor Mentira!).

Pretender que semelhantes desmandos equivalem à “libertação do Maranhão” é uma piada sinistra. Nem alternância é. A caríssima eleição de Jackson por 51,82 % a 48,18 %, no 2o turno, apenas repetiu a velha tradição maranhense de que o Governo ganha todas. Até onde a vista alcança, até hoje a única exceção foi Sarney em 1965, mas assim mesmo numa situação excepcional (o golpe militar de 1964) e com a ajuda psicológica das tropas federais que intimidaram caciques e índios no interior.

“Nas últimas eleições (municipais), o estado confirmou o ocaso oligárquico, elegendo 70% dos prefeitos dos partidos da frente de libertação”, alardeia o governador. Conversa. Esquece que nenhum governador costuma ter menos do que isso nas eleições municipais do Maranhão. Roseana fazia até mais. É típico da oligarquia.

Não há um deputado pedetista na Assembléia que já não tenha militado no grupo Sarney. Até o líder do Governo, Edivaldo Holanda (PTC), elegeu-se na coligação de Roseana. A origem das espécies tucano-pedetistas que hoje mandam no Maranhão é a mesma dos sarneístas.

Jackson tinha tudo para ser igual a seus rivais de ocasião. Por seus próprios méritos, consegue ser pior. Alega que sua cassação indicaria que não há juízes em Brasília. Falta justiça talvez é no Maranhão, e não é de hoje.

Leia também

1. Artigo de Jackson Lago.

2. Parecer do MP pede cassação

3.Assessora de Jackson dá ordem a jornal

4. Assessora do Governo edita a mídia

5. Por que Jackson não foi preso

6. Escândalo Ópera Prima

8. Falsa "campanha" contra dengue

9. Zé Reinaldo tinha três candidatos.


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